Os gaúchos que tiveram que abastecer seus veículos no primeiro dia do ano saíram assustados com o que viram. Apesar de previsível, o aumento dos combustíveis chegou cedo e em muitos locais ficou acima da taxa efetiva prevista que era de reajuste de 7,14% em razão da elevação da alíquota de ICMS de 25% para 30%. Em Porto Alegre, o repasse em muitos postos foi superior a 8%. O preço subiu cerca de R$ 0,30 na maioria dos estabelecimentos da Capital e o litro de gasolina comum está sendo comercializado, em média, a R$ 3,997 atualmente.
Na Metade Sul do Estado não é diferente. Na virada do ano, muitos revendedores de combustível remarcaram os preços em Pelotas. A variação na região foi mais contida, de 4,8%, com o litro de gasolina comum passando de R$ 3,90, em 2015, para R$ 4,09, em 2016.
No Pampa Gaúcho, em Lavras do Sul, o litro de gasolina subiu 7,63%, após a elevação de R$ 3,93 para R$ 4,23 registrada nas primeiras 24 horas deste ano.
Em Getúlio Vargas, no Norte do Estado, o preço da gasolina foi elevado de R$ 3,62 pra R$ 3,95, uma oscilação de 9,1%, equivalente a R$ 0,33, por litro. Já na Fronteira-Oeste, a oscilação ficou na casa de 7,12%, com o litro de gasolina passando de R$ 3,79 a R$ 4,06 em São Borja.
Consumidores terão que assimilar incidência da nova carga tributária
O objetivo do aumento de impostos proposto pelo governo do Estado em 2015 é gerar uma arrecadação extra aos cofres do Tesouro. Em 2016, a Secretaria da Fazenda projeta um incremento na receita líquida de R$ 2,66 bilhões. Do total, o Estado ficaria com R$ 1,896 bilhão, enquanto R$ 764 milhões seriam repassados aos municípios.
Para o vice-presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET), Rafael Wagner, trata-se de um custo muito elevado para o consumidor final em contrapartida a um efeito contido para as finanças estaduais. Wagner destaca que a estimativa de incremento para a arrecadação equivale exatamente ao custo de uma única folha de pagamento de salários do funcionalismo – também cerca de R$ 1,8 bilhão. “Quanto mais carga tributária, maior o nível de sonegação. Com impostos caros, aumentam-se as dificuldades para circulação de mercadorias. Ou seja, essa projeção pode sequer ser alcançada”, comenta.
Neste contexto, a repercussão econômica tende a ser ainda mais profunda no bolso dos gaúchos. Isso porque o efeito do aumento real do ICMS será maior do que as novas alíquotas praticadas no Estado. Isso ocorre porque o tributo, que é de competência estadual, também compõe a base de cálculo utilizada para contribuições federais como PIS e a Cofins. Em síntese, esse é o fator que elevará consideravelmente a inflação do Estado.
O advogado da área tributária da Scalzilli Advogados & Associados, Felipe Cornely, explica que os índices de inflação, como o IPCA, utilizam alguns produtos para gerar uma média aritmética capaz de traduzir o aumento desses itens em um determinado período de tempo. Isso significa que o peso da inflação varia de acordo com cada perfil de consumidor, mas também dentro de cada segmento econômico. “Mesmo assim, a inflação do Rio Grande do Sul possivelmente será a maior entre todos os estados da Federação”, afirma o tributarista.
Por isso, o economista Alfredo Meneghetti Neto alerta que, para assimilar a nova carga tributária, será necessário reduzir o consumo. “A conta de luz é algo que todos podem diminuir. Basta seguir alguns princípios difundidos pelos especialistas em economia doméstica, como passar roupa menos vezes, ajustar o banho quente, se possível trocar o chuveiro elétrico por um aquecedor a gás e controlar o uso do ar-condicionado. Cabe ao contribuinte seguir alguns ajustes”, aconselha.
O economista também aponta para outras ameaças capazes de aprofundar a perda do poder de compra dos gaúchos. Entre eles, o destaque é o aumento do desemprego, que já impacta o bolso do cidadão e diminui o ganho médio das famílias. Além disso, uma combinação de recessão econômica e inflação difundida retira a estabilidade financeira. Os efeitos climáticos, por sua vez, devem reduzir a safra e, por consequência, minar ainda mais a renda circulante nas cidades do Interior.
Reflexos do aperto
Alíquota de energia elétrica deve intensificar demandas judiciais
Entre os pontos mais polêmicos do aumento de ICMS está a nova alíquota de energia elétrica, que passou de 25% para 30%. O antigo percentual já pautava uma série de discussões judiciais. O foco, agora, está na constitucionalidade da nova cobrança.
Isso ocorre porque a legislação do ICMS prevê a incidência de três faixas. A alíquota básica (era de 17% e passou a 18%) deveria incidir sobre a generalidade dos produtos. A alíquota reduzida (12%) envolve os produtos da cesta básica e foi mantida. Além disso, existe a alíquota majorada (que era de 25% e passou a 30%), que, em tese, serviria para tributar os chamados itens supérfluos. No entanto, esse percentual é utilizado para taxar os serviços de telecomunicações, energia elétrica e gasolina.
Conforme explica o advogado Felipe Cornely, o fato pode “e deve” ser questionado. Segundo ele, a tese central indica que o tratamento tributário dado a um item essencial – nesse caso, a energia – enseja uma cobrança maior do que a incidente sobre as faixas básica e reduzida.
Cornely afirma que o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a repercussão geral da matéria. O advogado ainda explica que, em eventuais disputas judiciais, existem duas alternativas. É possível pleitear uma liminar para anular o pagamento ao longo do processo e também solicitar o pagamento de 17% (alíquota básica), e não 25% ou 30% (alíquota majorada).
Nesse caso, o problema é que a matéria não tem sido acolhida com muita regularidade nos tribunais inferiores. Pelo viés da empresa, essa opção também é mais temerária, porque, em caso de perda da ação, seria preciso pagar o valor total acumulado no período, acrescido de juros. Por isso, o que normalmente acontece é o depósito judicial das diferenças. Ou seja, é necessário cumprir a alíquota maior e depois pedir judicialmente o reembolso dos valores relativos aos últimos 5 anos de tarifas. Neste caso, o prejuízo maior seria do próprio Estado.
Antônio Cesa Longo, que preside a Agas, entidade que representa um dos setores que utilizam em larga escala o insumo energia, afirma que o governo gaúcho tenta recompor as finanças com a sobretaxa em áreas essenciais como energia, combustíveis e telefonia. Juntos, os três itens representam cerca de 50% da arrecadação total de ICMS do Estado.
Ele destaca que os supermercados já foram onerados com 60% de reajustes nas tarifas em 2015. “O governo trata a energia não como um produto de necessidade básica, mas como um item arrecadatório”, sustenta. Segundo Longo, esse seria um motivo para “travar” o Judiciário em 2016. “O governo cria as normas. Só 10% das empresas questionam na Justiça e conseguem algum retorno. Os 90% restantes é que pagam a conta”, complementa.
O dirigente também lembra que, atualmente, de toda a energia elétrica consumida, apenas um terço é a fatia relativa aos custos de geração. Restam, portanto, dois terços da composição dos preços associados unicamente à incidência de impostos federais e estaduais. “Todas as esferas de governo percebem esse item como uma fonte inesgotável de arrecadação. Realmente, o que nos assusta é que essa conta fica cada vez mais complexa de entender.”