Salvo pelo apito: a história do árbitro vítima da enchente
O final de semana que marcou a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul e contou a a história de um árbitro de futebol


Vinícius Junqueira ficou impossibilitado de apitar no sábado (4) porque a chuva em São Leopoldo cancelou a rodada do Campeonato Amador. Mas, ok, o dinheirinho extra estava garantido porque dia 27 de abril tinha sido auxiliar em Juventude x Lajeado pelo Gauchão sub-17.
O final de semana que marcou a maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul e contou a a história de um árbitro de futebol. E foi graças a essa função no futebol que ele sobreviveu à enchente.
A água não parava de cair no Vale do Sinos no dia 4 de maio. Na região onde mora, está acostumado a pequenos alagamentos em dias de chuva intensa. Por isso, Vinícius Junqueira, 39 anos, não tinha tanta preocupação com o temporal.
Até que começou a brotar água do bueiro. Por volta de 14h, a água estava na porta. A mulher, Valquíria, mais acostumada ao bairro, lembrou das vezes que precisou levantar os móveis para não molhá-los. Mas no máximo até a altura do joelho. Os dois colocaram tijolos sob sofás e armários. O nível da água subia.
Por via das dúvidas, levaram eletrônicos e objetos de valor para o segundo andar, onde o filho Gabriel e a namorada padeciam de dengue. E a água subiu, subiu, subiu. Vinícius controlava o tempo que levava para cada degrau ser coberto como uma piscina.
Chegou o momento em que não seria mais possível descer por lá. Do telhado, avistava barcos, jet-skis e botes. Gritavam por socorro e só ouviam negativas. A tempestade levou embora a luz e o sinal de internet. O único contato era com um amigo que estava próximo ao ponto dos socorristas, na BR-116. Ele insistia que havia uma família para ser resgatada.
Então passou um jet-ski puxando um bote. Na escuridão, Vinícius puxou seu apito que usa para controlar pegadas partidas do futebol amador e passou a assoprar. Gabriel, mesmo debilitado, também começou a apitar. O som foi o guia para o socorrista resgatá-los.
Desde domingo, 5 de maio pela manhã, o endereço de Vinícius e família é a Escola Professor João Carlos Von Hohendorff. O colégio serve de abrigo para vítimas da enchente que assola o RS. Eles estão em uma sala de aula, dividindo o ambiente com outras famílias. Ao todo, 210 pessoas ocupam o local. Voluntários ajudam no controle. O banho é de balde, já que a água ainda é escassa.
— Reclamar do quê? O pessoal aqui é muito atencioso, teve atendimento médico para meu filho e minha nora. Estamos todos vivos, inclusive meus gatos — diz Vinícius.
Ele tem oito bichanos. Como são criados soltos, conseguiram escapar ficando no telhado. Antes de sair de casa, Vinícius deixou ração e água em uma área que não foi alagada. Os bichos ficam lá.
O próximo passo é entrar em casa. O auxiliar, que é educador físico e, curiosamente, instrutor de natação, comprou colete salva-vidas foi à residência, mas não é possível entrar. A água ainda tapa toda a porta. Percebeu, inclusive, que a garagem está aberta, o que é mais uma preocupação. Mas não a principal.
— Minha mãe mora em Canoas. Saiu de casa com a água passando o peito. Foi caminhando até um local mais seguro. Agora está na casa de um familiar. Nunca imaginei que passaríamos por isso — finaliza.
Fonte: GZH