Militares ocupam cerca de cem cargos no governo Bolsonaro
Integrantes das Forças Armadas estão sobretudo em posições consideradas estratégicas
Cerca de uma centena de pessoas com origem nas Forças Armadas ocupam postos em ministérios e estatais na gestão de Jair Bolsonaro. O número foi apontado por fontes de Palácio do Planalto consultadas por GaúchaZH. Desse total, 46 militares estão em posições estratégicas no organograma, com a palavra final sobre políticas decisivas, como extração de minérios, modernização de comunicações, construção de estradas, manutenção de hidrelétricas e questões indígenas.
Também atuam em gerências na Petrobras, Eletrobras e Zona Franca de Manaus, gestão de recursos hospitalares, segurança pública e agências de monitoramento e contraespionagem. A maioria está na reserva e foi nomeada como cargo de confiança (CC). Os da ativa ganharam função gratificada (FG). Para especialistas, na prática é um governo militar ungido pelo voto popular. A maioria desses ex-fardados desconfia de políticos e, mesmo sem verbalizar, considera-se reserva moral da nação.
Veja quem são e que cargos ocupam os militares no governo Bolsonaro
O Exército concentra o maior número de quadros de primeiro, segundo e terceiro escalões. São pelo menos 32. Desses, 18 são generais e 11, coronéis, todos chamados oficiais-superiores. Mas não só o alto escalão das Forças Armadas foi prestigiado. Um tenente-coronel da reserva virou ministro (o astronauta Marcos Pontes, da Aeronáutica, que chefia a pasta da Ciência e Tecnologia) e dois capitães reservistas adquiriram status de ministro (Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União, e Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura).
A rigidez castrense não foi transportada de forma automática para o governo. Em algumas pastas, o ministro não é o mais graduado na hierarquia militar. É o que ocorre, por exemplo, na Infraestrutura. O ministro é capitão e estão sob as ordens dele dois generais: Jamil Megid Junior, secretário nacional de Transporte Terrestre e Aquaviário, e Antônio Leite dos Santos Filho, diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), além de um coronel, André Kuhn, diretor-executivo do Dnit. Em outras estatais, como nos Correios, a hierarquia foi respeitada. O presidente, Juarez Aparecido de Paula Cunha, é um general, que tem como principal assessor um coronel.
Existem pastas com status ministerial em que é usual o alto número de militares, como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que faz a segurança do presidente e controla a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Mas chama a atenção que, mesmo em ministérios não liderados pela caserna, exista maior número de militares em postos de comando do que de civis. É o caso da Secretaria-Geral da Presidência, chefiada pelo advogado Gustavo Bebianno, que está cercado por cinco generais.
Três militares de alta patente estão na cúpula da Caixa. E a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), ligada ao Ministério da Justiça, é ocupada por outros quatro. O ministério tem também um militar da Aeronáutica como assessor técnico do ministro Sergio Moro. Todas as decisões da Senasp, que influenciam no planejamento das polícias federais e estaduais, passam por militares. São do Exército os coordenadores de Licitações, de Estratégia e de Políticas.
Funções estratégicas do governo estão nas mãos de pessoal dos quartéis, analisa Nelson Düring, editor do site DefesaNet.com, especializado em assuntos militares. Em alguns casos, há interesse em coibir a corrupção, como em Itaipu Binacional e Petrobras.
— É uma tentativa de colocar ordem no governo, monitorar compras e despesas, hierarquizar procedimentos. Por isso, mesmo quando o ministro é civil, está acompanhado de militares. Mas não só isso. Há preocupação em controlar a máquina pública, que historicamente está em poder de corporações funcionais. Ainda no governo Michel Temer, os militares perceberam o quanto isso é real e começaram a se articular — acrescenta Düring.
Veteranos da ONU estão no poder
A articulação nos quartéis para “influenciar nos destinos da nação”, desejo de muitos fardados, ganhou impulso com a criação de um núcleo militar na campanha de Bolsonaro à Presidência, que perdurou mesmo após a vitória eleitoral. Houve cuidado para que manifestações fossem feitas apenas por reservistas, os chamados “generais de pijama”, já que o regulamento proíbe que militares da ativa façam política. Mas esses participaram, nos bastidores, do planejamento de ações.
Concentrados num hotel em Brasília, os fardados e ex-fardados do alto escalão das Forças Armadas elaboraram cenários de governabilidade. Algo natural para quem passa a vida frequentando cursos de gestão estratégica como os ministrados pela Escola Superior de Guerra (ESG) e Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com grau superior e que forma os dirigentes do Exército (entre eles, Bolsonaro e Mourão).
Essa ligação pré e pós-eleitoral se manteve na ocupação dos cargos governamentais. GaúchaZH apurou que muitos militares do governo possuem grupos de WhatsApp em separado e se tratam pelas antigas patentes: antes de ser ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz é chamado de general, o mesmo ocorrendo com Augusto Heleno (do GSI). A camaradagem aumenta porque alguns foram colegas de turma na Aman, outros conviveram nos mesmos quartéis.
— O núcleo duro dos militares no governo Bolsonaro é composto por oficiais “boinas-azuis”, que comandaram ou tiveram funções em Missões de Paz das Nações Unidas — ressalta Kaiser Konrad, jornalista gaúcho especializado em assuntos militares.
A maioria desses veteranos esteve na missão do Haiti (Minustah, de 2004 a 2017). É o caso de Augusto Heleno, do GSI, decano entre os generais governistas e primeiro comandante na intervenção da ONU em território haitiano, e também do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, atual chefe da Secretaria de Governo. Outros veteranos do Haiti são o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, e o secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, general Floriano Peixoto Vieira Neto.
Há também os integrantes de Missões da ONU em outros países, que não comandaram no Haiti, mas também formam o alto escalão governamental. É o caso do vice-presidente, Hamilton Mourão (que atuou em Angola e foi adido na Venezuela), do ministro de Minas e Energia, almirante Bento Costa Lima Leite (observador da ONU na Bósnia) e do chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), general Theophilo, que atuou como observador das Nações Unidas na América Central.