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18 de fevereiro de 2025
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Quando o Banhado do Colégio foi palco da reforma agrária


Por Pablo Bierhals Publicado 22/01/2025
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Foto: Arquivo. A reforma agrária de Brizola em Camaquã.

Há quem diga que o Banhado do Colégio, em Camaquã, é o berço da reforma agrária no Brasil. Isso porque em janeiro de 1962 iniciou um movimento que resultou na distribuição de terras por parte do governador Leonel Brizola. Os aproximadamente 20 mil hectares, recém transformados em próprios para o plantio durante as obras do Arroio Duro, pertenciam ao Estado e eram alvos de latifundiários da região.

Na luta pela terra, Brizola, que também era fazendeiro, ficou ao lado dos sem terra. Ele mesmo, além de promover a reforma no Rio Grande do Sul, destinou mais de mil hectares de uma fazenda sua para o programa.

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O ex-governador gaúcho, falecido em 2004, é uma figura emblemática (e polêmica) na história do Brasil.

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Na imagem, Brizola com uma metralhadora ao defender a democracia em 1961. Ano em que os militares tentaram impedir a posse do presidente João Goulart após renúncia de Jânio Quadros. Naquele ano, o golpe foi evitado em razão de ações do governador gaúcho. O mesmo desfecho não foi possível em 1964.

Documentos da época guardados hoje no Arquivo do Senado, em Brasília, confirmam o papel central de Brizola.

Brizola fez parte da vida pública brasileira em toda a segunda metade do século 20. O currículo político só não foi mais extenso porque ele, inimigo dos generais que tomaram o poder em 1964, passou os primeiros 15 anos da ditadura militar no exílio.

A obra faraônica da Barragem do Arroio Duro

As águas que desciam da região mais alta do município colaboravam para o alagamento de milhares de hectares na região mais baixa, onde formavam-se os banhados do Colégio, Jacaré e Santa Rita. No fundo de toda essa água estavam terras férteis, que até então não podiam ser exploradas em virtude das constantes cheias. 

É aí que entra a importância da Barragem do Arroio Duro na realização da reforma agrária. Uma obra que, segundo informações que constam na revista eletrônica comemorativa dos 50 anos da barragem, custou cerca de 10 bilhões de cruzeiros. A dragagem do leito do arroio e a construção da barragem deixaram quase 20 mil hectares de terra livres para produção, mas elas tinham dono: o Estado.

No entanto, de acordo com a pesquisa de Bernard José Pereira Alves, publicada em 2022 (link aqui), os grandes latifundiários que cercavam a região recém descoberta começaram a avançar suas cercas com objetivo de anexarem as terras em suas fazendas. Foi neste contexto que um grupo de camponeses que trabalhavam em lavouras da região passou a organizar o movimento que resultou na divisão das terras.

O grupo, liderado por Epaminondas Silveira, montou acampamento nas terras reivindicadas e, segundo relatos, chegou a ser visitado pelo próprio governador já nos primeiros dias. A polícia, por ordem do próprio governador, também estava presente com objetivo de garantir a segurança.

“Só a morte nos expulsa daqui”

Não demorou para que fosse criada a Associação dos Agricultores Sem Terra de Camaquã, com Hilson Scherer Dias, ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro (partido de Brizola na época), ocupando o cargo de presidente de honra. Scherer também era chefe de gabinete de João Caruso, Secretário de Agricultura do estado e presidente do recém-criado Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (IGRA), responsável por tratar de todos os assuntos ligados às recentes demandas por terra que passaram a ocorrer em solo gaúcho desde os primeiros dias do ano de 1962.

As ligações do movimento com Brizola não param por aí. O vereador Tasso Soares Perez (PTB), de Camaquã, era amigo de infância do então governador. Os dois estudaram juntos no Curso Técnico Rural, na cidade de Viamão.

O próprio Epaminondas, líder do movimento, tinha ligações com o PTB e com o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), recém criado em Encruzilhada do Sul para lutar por terras.

Os jornais da época destacavam a garra dos trabalhadores engajados no movimento iniciado em Camaquã, incluindo a presença de uma cruz e a liderança de um padre (Léo Schneider), que junto do agricultor Epaminondas, liderou um comboio de duas mil pessoas, de carroça, charretes, a cavalo e a pé até o acampamento. Foram cerca de 10 quilômetros percorridos da cidade até o Banhado do Colégio.

Em suas manifestações à imprensa, Brizola afirmava que a ordem pública estava garantida e que não havia “qualquer atentado à propriedade ou ao patrimônio de quem quer que seja” nos acampamentos de Camaquã e de Sarandi, onde também acontecia um movimento de trabalhadores sem terra.

Essas manifestações públicas, conforme a pesquisa de Alves (2022), evidenciaram seu apoio a causa.

A entrega dos lotes

Após cerca de cinco meses do início do acampamento, no dia 27 de junho de 1962, Leonel Brizola finalmente fez a entrega dos primeiros 134 lotes para os agricultores do assentamento. Na sequência, conforme pesquisas do camaquense Elio Copes, foi construída uma cooperativa e um grupo escolar, além da viabilização das colônias através de incentivos financeiros e tecnológicos.

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Em janeiro de 1963, na praça do Banhado do Colégio, foi instalada uma placa em agradecimento ao então governador Leonel Brizola, destacando a luta pela “justiça social em nossa pátria”. Foto: Pablo Bierhals.

Transcrição da placa: Ao engenheiro Leonel de Moura Brizola, pioneiro do movimento que tornou realidade a Reforma Agrária no Rio Grande do Sul, a homenagem e os agradecimentos dos agricultores do Banhado do Colégio. Que Deus continue a iluminar o grande líder, para que siga a luta pela justiça social em nossa pátria.

Com a posse da terra, os agricultores foram à luta. Os equipamentos, conforme a pesquisa de Copes, eram rudimentares e com tração animal, mas já no primeiro ano foi possível uma farta produção sendo realizada a primeira festa da colheita do milho no Banhado do Colégio.

De acordo com as informações disponíveis em um pequeno documentário produzido pela Agência Nacional em 1962 (assista completo no fim do artigo), esta primeira colheita de milho rendeu cerca de 200 milhões de cruzeiros, permitindo que cada família obtivesse uma renda de aproximadamente 1 milhão de cruzeiros.

Este documentário, produzido quando o presidente era João Goulart, destacava a importância do Instituto Gaúcho de Reforma Agrária (IGRA), criado por Brizola, e a Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA), criada por Jango em outubro de 1962 para promover a reforma agrária nacionalmente. 

O latifúndio contra-ataca

Em 1964, após o golpe que resultou na instauração do Regime Militar no Brasil (1964-1985), as ações do Estado tomaram outros rumos em relação a causa dos agricultores sem terra. Na época, havia encerrado o mandato de Brizola e o governador era Ildo Meneghetti, mais alinhado aos latifundiários.

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Foto: Arquivo/via Universidade de Passo Fundo. Meneghetti com os militares em 1964.

De acordo com a pesquisa de Copes, a situação se agravou e a polícia passou a frequentar o banhado com o propósito de espalhar o terror e sufocar a ideia da reforma agrária. Epaminondas Silveira chegou a ser detido e torturado três vezes. Ele esteve preso em cela solitária por 90 dias na policia do Exército em Porto Alegre. Ao todo, mais de 50 agricultores foram detidos e investigados ao longo do período ditatorial.

Epaminondas Silveira, que inicialmente liderou o grupo de agricultores, foi um dos que nunca conseguiu o título da terra em razão de perseguições sofridas. Neste período muitos abandonaram a luta.

É histórico e é daqui!

Mesmo com alguns desfechos infelizes, a luta dos agricultores camaquenses é considerada um marco importante para os movimentos de agricultores sem terras em todo país. Na reforma agrária do Banhado do Colégio não houve desapropriação de terras particulares. Tudo foi possível em razão de investimentos do Poder Público, deixando as terras produtivas. Além, é claro, da posição favorável do governador.

É histórico e aconteceu aqui, em solo camaquense.

Em 2005, vereadores de Camaquã aprovaram por unanimidade a denominação do Núcleo 2 do Banhado do Colégio como Agrovila Leonel Brizola. Da mesma forma, a estrada de acesso à vila foi denominada Epaminondas Silveira em homenagem ao líder dos agricultores naquela causa. No entanto, até esta data (22 de janeiro de 2025), nenhuma placa foi instalada no local para devida identificação.

A feliz coincidência: Leonel de Moura Brizola nasceu no dia 22 de janeiro de 1922 e o início do movimento no Banhado do Colégio ocorreu no dia 22 de janeiro de 1962. Se fosse vivo, o ex-governador estaria comemorando seu aniversário nesta mesma data em que relembramos o importante fato histórico.

Reforma agrária no Rio Grande do Sul (1962) – Agência Nacional

Fontes consultadas:

Barragem do Arroio Duro: 50 anos de história

“Estourou a Reforma Agrária”: o movimento reivindicatório de Camaquã

Banhado do Colégio, a reforma agrária gaúcha

“Reforma Agrária: Banhado do Colégio” trabalho de pesquisa de Elio Copes

Pablo Bierhals | chefe de redação do Clic Camaquã | contato @ cliccamaqua.com.br

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